Manufatura Aditiva de Sobressalentes
Avaliação da Manufatura Aditiva como fonte de sobressalentes para equipamentos de alta tensão
Grupo de Estudo de Subestações e Equipamentos de Alta Tensão-GSE
- Alexandre Pinhel (1);
- Marco Azevedo (1);
- Aristides Antônio (1);
- Gabriel Vieira (1);
- José Ferreira (1);
- FURNAS (1);
Resumo
Esse trabalho apresenta a abordagem de FURNAS na busca de novas fontes de sobressalentes para equipamentos antigos, descontinuados e de difícil obtenção, mas que ainda apresentam condições seguras de operação. Essa iniciativa se justifica pelas grandes vantagens econômicas decorrentes da sobrevida de equipamentos que, de outra forma, teriam que ser substituídos.
Optou-se por explorar os avanços tecnológicos que tem surgido no entorno do paradigma da Indústria 4.0, em especial a Manufatura Aditiva. Visando cobrir grande espectro de possibilidades, foram investigadas peças metálicas e de plástico em equipamentos elétricos de grande importância para a empresa.
Apesar das especificidades dos casos de estudo, a investigação foi feita de forma a serem obtidos conhecimentos gerais que pudessem validar a iniciativa em forma mais ampla.
Palavras-chave
Indústria 4.0, Manufatura Aditiva, Equipamentos Elétricos, sobressalentes, manutenção.
1.0 - Introdução
Os processos de geração e transmissão de energia elétrica dependem de grande quantidade e diversidade de equipamentos eletromecânicos que, usualmente, apresentam vida útil superior aos prazos que os fabricantes se dispõem a fornecer sobressalentes. Frequentemente a vida útil desses equipamentos é então interrompida precocemente por deficiências de suprimento de sobressalentes resultando em grande impacto econômico.
Os desafios inerentes a esse contexto são bem conhecidos por FURNAS, empresa estatal federal brasileira que atua na geração e transmissão de energia elétrica. Com 21 usinas hidroelétricas e 29 mil quilômetros de linhas de transmissão é uma das maiores empresas do Setor Elétrico Brasileiro. Além disso, com mais de sessenta anos de existência, é uma das empresas mais antigas. Essa maturidade traz desafios de manutenção relacionados à extensão da vida útil de diversos equipamentos.
FURNAS percebeu que esse contexto pode ser abordado com a Manufatura Aditiva, pois essa tecnologia consegue produzir objetos de difícil obtenção por vias convencionais como é o caso daqueles cuja produção foi descontinuada. Naturalmente que, apesar das diferenças entre os processos, um sobressalente manufaturado por impressão 3D deve ter qualidade igual ou superior ao original, portanto esse deve ter suas propriedades físicas e químicas bem compreendidas.
(*) Rua Real Grandeza 219 – Botafogo – Rio de Janeiro – RJ - Brasil – CEP 22281-900 Tel: (+55 21) 2528-4049 – Email: pinhel@ieee.org
Visando obter rapidamente uma percepção acurada do potencial dessa abordagem foram investigadas formas de confecção de uma peça plástica de disjuntor e uma peça metálica de chave seccionadora. As conclusões tiradas estão norteando a empresa em investimentos e no desenvolvimento das capacitações necessárias à adoção dessa nova forma de ver a cadeia de suprimentos de sobressalentes.
2.0 - Caso Plástico
Os sobressalentes manufaturados por impressão 3D devem ter propriedades técnicas iguais ou superiores ao original que, no caso, é feito de nylon para aplicação industrial. Há diversas rotas tecnológicas disponíveis [1] de forma que a escolha dependerá da quantidade de detalhes do componente, a resistência mecânica necessária, a temperatura de operação e o custo admissível.
A confecção de peças plásticas a partir de equipamentos de Manufatura Aditiva, i.e, impressoras 3D, pode ser feita utilizando padrões técnicos que vêm sendo elaborados desde 2009 pela American Society for Testing and Materials (ASTM), através do ASTM Committee F42 on Additive Manufacturing Technologies [2]. Esses padrões cobrem sete tecnologias distintas [3] das quais duas, por motivos de limitações no mercado nacional, foram utilizadas nesse trabalho. São elas:
- Extrusão de material – Nessa técnica um filamento de material plástico é derretido e o fluido corre continuamente por um bocal, sendo depositado camada a camada até a finalização do objeto.
- Fusão em leito de pó – Também conhecida por sinterização. Nessa técnica o material está em pó e é espalhado em uma superfície para ser fundido, camada a camada, nos pontos que constituirão o objeto. Há diversas variantes e a fusão (sinterização) pode ser feita por laser, feixe de elétrons e fonte térmica. Essa tecnologia permite confecção de objetos com grande complexidade e detalhamento.
O material da peça estudada foi identificado como nylon para aplicação industrial. A partir disso foram confeccionadas três versões em materiais distintos para avaliação comparativa. A primeira foi feita em ABS para verificação dimensional do modelo. Duas outras foram feitas em materiais mais robustos. Buscas no mercado nacional mostraram que, apesar da presença crescente de impressão 3D para fins não industriais, há pouca diversidade de serviços voltados à engenharia. Após extensa consulta a escolha recaiu nos materiais descritos na tabela 1. A amostra utilizada apresentava defeito (Figura 1), que foi corrigido no modelo desenvolvido a partir do escaneamento (Figuras 2 e 3). O resultado final pode ser visto na figura 4.
Tabela 1: Componentes manufaturados em material plástico para uso final.
FIGURA 1 – Componente do estudo de caso com um dos defeitos em destaque.
FIGURA 2 – Componente sendo escaneado (Plataforma de escaneamento 3DSystems Geomagic Capture).
FIGURA 3 – Modelo do componente com um dos defeitos em destaque.
FIGURA 4 – Componentes impressos em 3D com defeito corrigido (HTPLA em azul e PA12 em branco).
3.0 - Caso Metálico
A confecção de peças metálicas através de impressão direta é uma via atraente, porém apresenta limitações quanto aos materiais disponíveis na prática e ao tamanho da peça. Apesar de alguns fabricantes alegarem ter vasto portfólio de metais, a alternância de uso deles não é prática. Além disso, soluções de engenharia podem requerer ligas específicas não disponíveis. Por outro lado essa via tecnológica está em rápida evolução e deve ser acompanhada.
Alternativamente à manufatura direta pode-se construir um modelo próprio para fundição. Nesse caso consegue- se mais liberdade e diversidade na composição das ligas metálicas. Por exemplo,o caso de interesse de FURNAS é feito em uma liga de alumínio-silício identificada como SAE 356. Essa informação é fundamental para a etapa de fundição.
De forma similar ao caso anterior, a primeira etapa é o escaneamento para modelagem. Nesse caso foram escaneadas duas peças, uma quebrada (Figura 5 dir) e outra inteira mas que não podia ser desmontada (Figura 5 esq). Os dados foram processados para compor o modelo 3D (Figura 6).
Para confecção do molde para fundição a peça deverá ser impressa considerando a contração do metal após o resfriamento. Esse fator de contração depende da liga e tipicamente é obtido com o responsável pela fundição. No caso de peças grandes como a aqui apresentada o modelo deve ser subdividido para impressão e posterior união das partes impressas (Figura 7). A impressão de modelos grandes inteiros requer impressoras também grandes, limitando as possibilidades tanto técnicas quanto financeiras. Na tabela 2 pode ser visto comparativo entre manufaturar o caso aqui analisado em partes (linha 1) ou inteiro (linha 2).
Uma vez impresso e montado, tem-se uma réplica plástica em tamanho levemente maior que o original para ser utilizada na confecção do molde para fundição. A partir dessa etapa os processos são os convencionais da metalurgia e fogem ao escopo desse trabalho.
FIGURA 5 – Peças sendo escaneadas para modelagem (plataforma de escaneamento Artec).
Tabela 2: Componentes manufaturados em material plástico para molde de fundição
FIGURA 6 – Modelo 3D e peça impressa em escala para análise.
FIGURA 7 – Modelo 3D dividido devido à limitação de área máxima de impressão.
4.0 - Desdobramentos e próximos passos
Os resultados dessa iniciativa proporcionaram material técnico suficiente para criação de uma nova cultura de manutenção dentro da empresa. A propagação dessas informações às demais áreas técnicas irá alimentar um fluxo contínuo de ideias a serem estudadas e demandas a serem atendidas pela Manufatura Aditiva, bem em sintonia com a Indústria 4.0. Para institucionalizar, organizar e fomentar esse fluxo foi criada uma Comunidade de Prática dentro do ambiente corporativo de Gestão do Conhecimento da empresa.
A empresa visualiza, no longo prazo, que a estrutura de armazenagem dos sobressalentes poderá incluir gestão dos modelos tridimensionais em substituição a alguns itens físicos, conforme o caso. Nesse paradigma o componente seria confeccionado na demanda, com eliminação de capital imobilizado e de custos operacionais como espaço, climatização e segurança patrimonial. Esse ambiente poderá ser chamado de “Almoxarifado Digital”.
Naturalmente que a viabilização desse modelo dependerá do envolvimento dos fabricantes já que estes teriam que fornecer os modelos 3D dos componentes de seus equipamentos aos seus clientes. Esse cenário se mostrará cada vez mais verossímil e próximo conforme a Indústria 4.0 for se tornando realidade.
5.0 - Conclusões
Por oferecerem ganhos sensíveis de produtividade, os paradigmas associados à Indústria 4.0 tem se espalhado rapidamente. Nessa onda tecnológica a Manufatura Aditiva tem se destacado pela concretude com que se manifesta e pela rapidez com que traz resultados.
A inserção dessa tecnologia na rotina da manutenção e da engenharia pode tornar viáveis ideias e soluções até agora impensáveis. Mas para um melhor aproveitamento desse potencial cabe avaliar a estratégia mais interessante. O alto custo das impressoras 3D e a rápida evolução que elas vêm apresentando sugerem que, exceto diante de grande demanda, parece mais razoável focar na aquisição de conhecimento para elaboração dos modelos 3D, deixando a manufatura em si para terceiros. Porém, essa posição deve ser revista periodicamente uma vez que a expectativa é de grande redução de preços.
A possibilidade de intervenções nos projetos solucionando questões não mais estudadas pelos fabricantes pode trazer sobrevida relevante aos equipamentos que, de outra forma, teriam que ser substituídos. Além disso, a capacidade de produzir componentes de forma quase imediata pode trazer grande economia ao eliminar prazos e custos de importação e deslocamento bem como custos decorrentes de indisponibilidades dos equipamentos do sistema elétrico de potência, por indisponibilidade do sobressalente falhado. Porém seja qual for o viés de interesse, as questões relacionadas à Propriedade Intelectual [4] devem ser consideradas.
Para confecção de peças metálicas, a via que parece mais interessante é a impressão em PLA com tecnologia FFF para posterior confecção do molde para fundição. Caso a peça seja muito grande a solução mais interessante é a impressão da peça em partes para montagem final antes da confecção do molde para fundição. Esse processo consegue viabilizar peças metálicas sem grandes investimentos em equipamentos de impressão.
A utilização do ambiente de Gestão do Conhecimento para os assuntos referentes à Manufatura Aditiva apresenta vantagens interessantes na medida em que tal novidade será documentada formalmente desde seu começo, agregando conteúdo importante ao patrimônio intelectual da empresa.
Por fim cabe ressaltar que os ganhos de produtividade almejados com a adoção da Manufatura Aditiva demandarão conhecimentos interdisciplinares de engenharia de materiais, projetos e manutenção, além de novas expertises. Sua adoção então deve ser considerada não só pelos retornos financeiros esperados, mas também pelos novos desafios que serão enfrentados.
6.0 - Agradecimentos
- Maurício Zubelli, de FURNAS, pelo apoio de campo na subestação de Jacarepaguá;
- Luiz Werdine, de FURNAS, pelo apoio de campo na subestação de Tijuco Preto;
- Felipe Gouvea, Renan Wanderley e Mariana Goia, da Puc-Rio pela elaboração de um dos modelos 3D da peça plástica e sua confecção em ABS;
- Leonardo Tuorto e Thiago Braga, da Delta Thinkers, pela impressão em HTPLA;
- Cassiano Biagioni, da 3DSystems, pela elaboração de um dos modelos 3D da peça plástica e Alexandre Magdalon, da 3BE/3DSystems, pela confecção em PA12;
- Jorge Lopes, do Instituto Nacional de Tecnologia – INT e Gerson Ribeiro, da PUC-Rio, pelo escaneamento e elaboração do modelo 3D da peça metálica.
- Leandro de Oliveira e Suzana Peripolli do Instituto Senai de Tecnologia de Solda, pela análise química da peça metálica;
- Fábio Barbosa, Reinaldo Apolinário e Devanil Siqueira, de FURNAS, pelo apoio com ferramentas e oficina;
- Adriana Pupe, de FURNAS, pelo apoio com a Gestão do Conhecimento.
7.0 - Referências bibliográficas
[1] Redwood, Ben; Schöffer, Filemo; Garret, Brian; “The 3d Printing Handbook - Technologies, design and applications”, Ed.3D HUBS, 2017.
[2] STM INTERNATIONAL, “Committee F42 on Additive Manufacturing Technologies”.Disponível em . Acesso em 9/4/19.
[3] ASTM F2792-12a, “Standard Terminology for Additive Manufacturing Technologies”, ASTM International, West Conshohocken, PA, 2012.
[4] GOVERNO DO BRASIL, “Lei 9279”. Disponível em: . Acesso em 9/4/19.
8.0 - Dados biográficos
Alexandre Pinhel é graduado em Engenharia Eletrônica (UFRJ 1994), tem MBA em Gestão da Inovação (UNICAMP 2011) e mestrado em Propriedade Intelectual & Inovação (INPI 2014). É membro sênior do IEEE e recebeu premiações técnicas da ABRAMAN, CIGRÉ e MMA. Desde 1994 é engenheiro de Furnas Centrais Elétricas e, em 2003, publicou livro sobre Descargas Eletrostáticas. Atualmente tem interesse na captação e armazenamento local de energia elétrica com distribuição DC e no uso de Nanotecnologia e Manufatura Aditiva para o Setor Elétrico. É também artista plástico (AlexandrePinhel.com).